Opiniões...

Boa tarde,

Foi um prazer participar neste concurso! Apesar de nunca ter nenhum texto vencedor, foi um bom desafio e uma experiência positiva :)
Com os melhores cumprimentos,
Ana Carvalho

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Olá,

Antes de mais, obrigada, novamente, pela organização deste concurso. A participação nestes desafios foi, uma vez mais, um óptimo pretexto para exercitar a minha escrita e espero mesmo que seja um ponto de partida para "vôos mais altos".

Continuo a achar que o nosso país precisa de mais destas iniciativas que nos incentivem a criar. Não sei os motivos do interregno que vão fazer mas julgo que devem continuar e tornar esta estrutura mais profissional (não digo que o não seja já, digo que pode ser ainda mais). Poderiam, talvez, criar um site na internet com toda a informação e textos premiados, uma página de facebook por exemplo, apostar em mais divulgação, nomeadamente em orgãos de comunicação social. E talvez criar um perfil de cada um dos jurados - possível de fazer-se mesmo mantendo o anonimato. Bom, isto são só ideias porque julgo que esta é uma boa iniciativa e com potencial para ser desenvolvida.

Se precisarem, estarei ao dispôr.

Cumprimentos a todos,

AnaLu

:)

Finalizada a IV edição do COE a Organização gostaria de vos dirigir algumas palavras:

As primeiras, para todos, são de agradecimento: pelo interesse, pela compreensão, pelo apoio, pela ajuda, pela colaboração... OBRIGADA.

Temos muito orgulho em ter distribuído prémios no valor de 200 livros!

Infelizmente faremos, por agora, um interregno. Não deixem de ler, nem de escrever!

IV COE - V Desafio

Texto vencedor por Storm Of Life:

E aquele dia acordou com sol, depois de vários dias de chuva. Olhou-o através da janela e isso fê-la entristecer-se. Raios, de novo aquele aperto no peito.
O movimento surdo das ruas, as pessoas que caminhavam, tudo alheio, tudo ausente. Não fazia mal. Também não queria sair para aquelas ruas, nem sorrir, nem manter as conversas de cortesia. Queria isolar-me para reaprender a viver.

Era sempre assim. Tinha aquele ritual absurdo e necessário. Nos dias em que se ausentava do mundo abria-se um espaço em negro, e não tinha como preenchê-lo. E aquilo era um círculo vicioso, volta e meia e acontecia.

Segurou as pesadas cortinas e correu-as deixando a sala numa obscuridade que era mais interior que exterior.
Fechava as suas janelas para o mundo, sentava-se naquele escuridão da sala e viajava pelo seu interior.

Havia tantas formas de a resgatar dali. Tantas. E tão poucas pessoas sabiam como. Por vezes havia gente que a resgatava casualmente. Uma frase, um gesto, uma atitude fazia-a sair. Outras vezes não, ficava ali, dias seguidos, sem conseguir sair de dentro de si mesma.
Era prisioneira de um estado de alma.

Eu entrei de rompante naquele mundo dela, tão só, agoniante até. Pairava por ali mágoa de tudo e de nada.
Uma acomodada irritação acendeu-se em mim, olhei-a nos olhos, e decidi ser a última vez que a encontrava naquele estado. Arranquei aquelas pesadas cortinas, os olhos dela fecharam-se com a claridade a romper pela sala. As sombras desapareceram, e pela primeira vez, a sua imagem deu lugar à minha, reflectida num espelho.
E a última coisa que fiz, foi olhar-me no espelho como se me visse pela primeira vez.

IV COE - IV Desafio

Texto vencedor por AnaLu:


Mas regressemos a Janeiro do ano anterior.
Eu tinha 26 anos a arder no peito e acabara de abraçar uma carreira promissora e nova, com sede no Largo do Rato. Dessa vida, era só minha a vontade soberana, e os dias corriam doces, ao sabor dos seus ditames. Por isso era uma casa de portadas e paredes brancas, com gatos dentro e amigos para jantar, com a promessa do rio no horizonte. Uma villa de flores, varandins e azulejos, ali no coração da Graça.
(Lisboa-meu-amor há-de sempre ser ali, mesmo que eu não torne a regressar-lhe.)
Havia a impetuosidade do amor recente, mas com dedicação de amor antigo. Havia o segmento Príncipe Real-Cais do Sodré, todos os dias, à saída do trabalho. Havia cerveja, cinema e fado. Havia os meus lugares e a cidade a ser-me casa.
 E nada fazia sentido.
A decisão irrompeu de mim, como a luz costumava fazer, feroz e evidente, a cada fresta da casa da Graça. Na verdade nem foi decisão, surgiu como um facto. Não há planta nem pessoa que floresça em clima agreste.
Parei logo ali na biblioteca pública do Carmo e, àquele computador obsoleto, exigi respostas, qual oráculo. Amesterdão começou assim, urgente, numa sala que cheirava a bafio e velhos. Depois, mais sossegada, fui observar os meus propósitos, defronte do miradouro, em São Pedro de Alcântara.
Disse as pessoas o que queriam ouvir, a poupar-me a qualquer desgaste que ao empreendimento não fosse indispensável. Que já tinha trabalho, sim, insinuando uma qualquer cunha, remota e apaziguadora. Escusei-me a ansiedades emprestadas, que não sou repositório de medos alheios. Em Agosto comprei um bilhete sem regresso. E comecei a despedir-me. 
Do facto-decisão à partida, passou exactamente um ano. Eu achei que a pressa de mundo não havia de impedir-me de tomar o meu tempo. E assim dirigi-me a cada lugar, a cada pessoa. A família passaria a ser recordação e saudade, por isso passei os últimos meses na terra-natal, a fazer o divórcio, voluntário e amigável, que me garantisse a paz futura.
Parti de mãos e peito abertos, em Janeiro de 2012, e com uma alegria a rasgar-me por dentro.
 Estava mortinha por chegar a casa.

IV COE - III Desafio

Texto vencedor por AnaLu:

Era Janeiro e estava sol.
Quis ir despedir-me de ti porque já só me faltava alguns dias.
Quem guiou foi ele e eu ia assinalando caminho, sorrindo às esquinas e às casas, num sossego plácido. Tentando reconhecer qualquer coisa tua (nossa) naquele trajecto, nas ervas daninhas de beira-de-estrada, com casas semeadas amiúde e estrada de província.
Eu queria estar comigo para melhor poder dizer adeus. E podia.
Eu explico. Passados dois anos do amor mais infinito que me foi dado conhecer, apareceu ele. De início não foi óbvio, mas tornou-se de tal modo intenso que não houve como ignorar. E eu entreguei-me-lhe sem hesitação ou medo. Com ele tudo resultou em harmonia. E essa leveza permitia-me estar bem cá no fundo – e também junto dele - à superfície. É tão bom quando tens alguém que te mantém à superfície e te salva assim dos teus próprios abismos.
Acho que era cerca das quatro da tarde. Havia brisa e restolho no ar e nós caminhámos devagar, de mãos dadas, ao lá chegar, ziguezagueando entre vasos e arbustos. Não estava mais ninguém, só nós e flores, imensas e de diferentes géneros, barricadas em grandes jarros transparentes e água fresca. Para além disso, centenas de lápides, anunciando eterna saudade. De resto apenas quietude.
Vislumbrei de longe essa árvore que serve de local de encontro e te dá sombra. E de repente sinto-me tremer. Porque, finalmente, curvada diante da campa e mãos na pedra, como que afagando-te, estava ela. Mãe e órfã. Porque perder quem nasceu de nós é orfandade. Desatei num murmúrio aflito, de quem sabe não ter escapatória. E ele disse, vai tranquilaEu espero aqui. Eu fui então.
Ela estava de costas e eu tive que falar para que me visse. Levantou-se com olhos arredondados de surpresa. Abraçou-me como se me tivesse esperado todo aquele tempo, e chorou sem se reprimir.
Dois anos depois do domingo em que me vesti de negro-que-nem-corvo (elegante-como-garça), ficámos assim, testemunhadas só pela árvore, porque ele estava focado na biqueira dos próprios sapatos, sentado num jazigo, mais além.
Falámos de tudo, por fim, saltando de novidade em novidade, dos dois anos em que eu não havia sido capaz de visitá-la. E ela, mãe-orfã, disse que tu estavas muito contente por eu estar ali. E disse, obrigada por teres vindo. Muito obrigada por teres vindo.
Dois dias depois vim para Amesterdão.

IV COE - II Desafio

Texto vencedor por Storm Of Life:

Oh não, lá vem aquela luz, e eu sei, embora saiba por pouco tempo, tudo o que sucede daqui em diante. Não, não quero sair! Que ferros são esses que me puxam e aleijam!?!? Estou tão bem aqui quentinho.
O mundo é cruel! E quem te diz é a palmada que se avizinha assim que me tirares daqui.
Não, não queeeerrrr.... pronto! Já sabia que não me iam deixar ficar!
Aiiii!!! Eu chorava sozinho, pá!!! Era preciso mesmo bater? Que raio de forma de começar a viver!
Passam a vida a passar ensinamentos que na prática ninguém usa. Oh, eu também já fui assim! Apregoei anos a fio palavras cultas que transmitiam paz e serenidade mas na verdade era cruel por dentro, a ironia e o sarcasmo estavam sempre presente. Mas os outros não viam, nunca vêem!! São demasiado egoístas para nos olhar de verdade, por dentro! Só olham para o pacote exterior! Como se ele não servisse para apenas nos transportar.
Bem, vai começar tudo de novo. Aprender a sugar para sobreviver, a andar, a falar, a escrever. Aprender a cair e a levantar-me. Levar uns socos da vida. O primeiro beijo, o primeiro amor, o primeiro desgosto. A primeira vez que se deseja que a vida termine, quando ela não passa de um circulo vicioso, que nos deixa tontos e nos faz passar por tudo uma e outra vez, e mais outra e outra...!
Depois entra tudo numa rotina, conclusão de estudos, trabalho, casamento, filhos, mesmo que a ordem não seja invariavelmente esta, os acontecimentos são.
Ainda não descobriram que a morte não é mais do que um renascimento...
Hummm... que colinho macio o de uma mãe, quase que diria que por isto vale a pena renascer.
E o que é isto que se sente dentro de nós que nos apaga a memória mas nos enche a alma? Ahhh... O amor... ele vai me fazer esquecer de todas as minhas vidas passadas e viver esta vida em pleno, tal como a primeira vez.
Onde é que eu estava mesmo antes de nascer, mãe? E quando for velhinho, vou para o céu? É verdade que antes de morrer vemos uma luz, mãe? E se eu não quiser seguir essa luz, mãe? Ela puxa-me?



Texto vencedor por AnaLu:

Morreste-me em Agosto, no primeiro dia, quando a vida estava mesmo a começar. Não chegaste sequer a saber. Eu havia guardado tudo para mim como um fogo do qual só se pudesse ter notícia quando extinto. E por isso tu foste sem saber.
Lisboa era intenção e promessa. Iamos viver juntas outra vez e criar, finalmente, o nosso espectáculo de teatro. Disseste-me, para a semana ligo-te e planeamos tudo.
Para a semana ligo-te e planeamos tudo.
Durante os quinze dias em que estiveste em coma eu encontrei trabalho num dos meus sítios preferidos da cidade. E esperei, pacientemente, para te contar. Disse à tua mãe que não queria ver-te, que tinha muito tempo, quando acordasses.
Quando acordasses.
Por isso esperei cá fora, esperámos cá fora, de lábios apertados e mãos em novelo. Entrava um de cada vez por quinze minutos com limite de três visitas por dia. Um-quinze-três. Eu não ia roubar-lhes esse espaço. Um-quinze-três. E estive sempre calma porque tu ias regressar. Dêem-lhe tempo, dizia. Ela precisa de tempo.
Recordo-me que nesse dia usava, por casualidade, um xaile preto. E estava numa relojoaria a pôr uma pilha nova num relógio de infância. Era um Flik Flak cor-de-rosa. Faltava meia hora para o meu primeiro dia de trabalho. E então recebi o telefonema.
Está tudo bem, menina?
Estava abafado e eu vim para o meio da rua. Tentei ligar-lhe mas acho que ele não atendeu, não sei. Então fiquei à espera. Era estranho que passassem carros e pessoas e que houvesse prédios e um céu azul. E vi, no meu relógio velho com pilha nova, como numa ampulheta, os minutos a passar, até que a minha nova vida começasse.
No primeiro dia depois de tudo eu fiquei sem nada. E tu não podias saber. Não podias saber da gaiola aberta. Não podias saber do silêncio dele como coisa que se cerra nem da minha desistência. Nunca pudeste saber da barba como um rio e de tudo o que se seguiu depois. Lisboa, meu amor. Lisboa.
Ele reapareceu-me naquele domingo e segurou-me com força o tempo todo. Estava toda a gente lá. Eu levava o xaile preto e calças novas - fui ao teu funeral elegante como uma garça.
Continuei, paciente, a espera, desde então. Já passaram três anos e talvez passem muitos mais. Tenhas tu a forma que tiveres, reconhecer-te-ei quando conseguir encontrar-te.
E a minha-nossa vida poderá, enfim, recomeçar.


Texto vencedor por Richard Teixeira:

Naquela manhã normalíssima de Outono, num apartamento comum, ouviu-se um grito estridente que atravessou a manhã.
- Aiiiii, que dor de cabeça - disse só para mim enquanto me olhava ao espelho do wc.
- Aiiii, porra que se passa - gritei alto. Senti-me logo a tombar, fletindo pelos joelhos, com as mãos suadas e apertando fortemente as têmporas grisalhas...
Rodopiei como uma folha de Outono e contorci-me numa dor agonizante, pensei de imediato que ia morrer.
Depois foi como se me pusessem um pano de seda branco à frente dos olhos, via a vida em slow motion e sentia um forte zunido nos ouvidos, sentia sangue na boca, na guelra, sentia uma espada cravada no crânio, profunda.
- João, João! Que tens? Ai meu deus - disse Maria, minha mulher.
Naquela manhã normalíssima, nos cuidados intensivos do Hospital.
PI...PI...PI...
- Sr.º Doutor penso que o conseguimos salvar! Os sinais vitais estão estáveis. A operação correu bem - disse Teresa, a enfermeira.
- Sr.ª Enfermeira, não sei se alguma vez ele será o mesmo - disse Jorge, o médico.
PI...PI...PI...
- Epá estou tão cansado! Que se passa comigo? Tenho os olhos tão pesados que não os consigo abrir - disse eu.
- Não me consigo mexer, merda! - Que é isto que tenho enfiado no nariz? - Que PI PI PI  irritante é este? Porra, onde estou? Quem está ai?? Que cama é esta?
PI...PI...PI...
- Sabe, o seu marido teve uma aneurisma muito forte - disse Teresa, a enfermeira, ouvi baixinho entre o chorar triste de Maria.
- Ele recupera? Diga-me que sim, por favor - disse Maria, minha mulher.
- Não sabemos sinceramente - disse Teresa, a enfermeira.
(alguns dias depois)
PI...PI...PI
- Maria és tu? Amor, ouve! Estou aqui, estou bem, estou-te a ouvir, a sentir tudo, estou vivo! Vem aqui, aproxima-te, quero sentir o teu cheiro, os teus cabelos, a tua pele novamente...
- Maria vem aqui! Beija-me agora, abraça-me! Vou-te fazer uma mulher à modos, vem, vamos viajar sós por aí, vem, vou trabalhar menos, nem te deixo sozinha pelos cantos, vem vá, se me deres um beijo talvez acorde quem sabe... quero nascer outra vez...
- Maria por favor não deixes desligar a máquina que me mantém vivo! Sou eu o teu Jorginho. Vem, quero nascer, quero renascer o nosso amor. Vem, prometo ser teu amigo, fiel!
- Vou fazer-te feliz novamente...
PIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPI

IV COE - I Desafio

Texto Vencedor por Storm Of Life:
 
Novamente Outono.
Tenho saudades dos Outonos secos que outrora havia. Agora chove sempre, as nuvens aliviam a sua carga da mesma forma que eu alivio a minha. Chorando.
Olho para os vidros embaciados, para o impacto das gotas ferozes que nele embatem e comparo sempre ao embater das minhas lágrimas no vestido branco.

Parasse o tempo um ano atrás.

Naquele dia o pé não parava de bater no chão, num ritmo certeiro que marcava o tempo. O tempo.
- Mas porque é que não para de chover, mãe?
- Sorri – dizia-me confiante, mas com a lágrima pronta a cair e as mãos a tremer de emoção – Este é o primeiro dia do resto da tua vida.

Com o abotoar do último botão do longo vestido veio-me à memória a forma como ele tinha surgido na minha vida, a fila interminável dos correios, o olhar penetrante e a conversa que dali surgiu.
Minutos depois, abandonamos a fila, e conversamos horas a fio. Nunca mais nos separamos. Amávamos a vida que tínhamos construído e éramos felizes.

Uma noite surpreendeu-me com um jantar romântico, velas acesas e vinho num frapé colocado na mesa requintada. Pediu-me em casamento. Queria um daqueles casamentos à antiga, em que o noivo espera horas pela noiva cujo pai trará ao altar. Queria o “na saúde e na doença”, “na riqueza e na pobreza”. Queria o “até que a morte nos separe”.

A mim bastava-me o deleite que sentia na vida que tínhamos.

Acedi por amor, e ali estava eu, nervosa como nunca, pronta para ir para o altar.

O carro parou junto da igreja, alguém fez sinal para que eu não saísse ainda. O noivo estava atrasado. Murmurei qualquer coisa por ele ser um cabrão e fazer-me esperar por ele. Mas os minutos foram passando. A alegria dos olhos dos convidados, deram lugar a alguma tensão e preocupação. As más notícias não tardaram a chegar. Um acidente na estrada, a chuva, o carro que capotou... o choro da família.

Fiquei presa ao banco daquele carro, o coração a bater descontroladamente, o peito a doer. Ardiam-me os olhos.

-Não, não... não!!

Pestanejo os olhos para afastar a memória desse dia.
Ainda te vejo sentado no sofá da nossa casa a chamar por mim em dias de chuva.

Parasse o tempo um ano atrás. E aquele não teria sido o primeiro dia do resto da minha vida.

FeeDBaCK

Concluída a 3.ª edição desta iniciativa,
a Organização do COE orgulha-se de já ter distribuído prémios no total de
150 livros!

Obrigada a todos. :)
Aguardamos as vossas sugestões e comentários no mail c.escrita.online@gmail.com.


Parabéns pela iniciativa! Parabéns aos vencedores!
Grata pelas sugestões deixadas ao longo do concurso.
Votos de boas férias, com esperança de nos encontrarmos após época estival,

Luísa

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Olá:

Se bem que nem sempre tenha sentido os temas dos desafios como muito interessantes, penso que é um exercício de criatividade a escrita de um texto nos moldes dos do concurso.
A organização do concurso está, pois, de parabéns.

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Continuem a mandar o vosso feedback: as vossas opiniões | dúvidas | sugestões são, para nós, de grande importância. Obrigada.

A Organização.
III COE - V Desafio

Texto vencedor por Marta:

Deixa-me olhar para ti antes que eles venham. As televisões, os arqueólogos, os peritos disto e daquilo. Deixa-me ver-te bem, agora que estamos os dois sozinhos, como nunca antes nos tinham dado oportunidade de estar. É sempre assim. Eu descubro-vos e eles roubam-vos de mim no minuto em que eu me deito para uma merecida sesta depois de anos de procura. Pudesse eu e levava-te para casa. Pudesse eu e deitava-te na cama, fazia-te sentir mais do que um amontoado de ossos que lembram passados que eu não vi nem vivi. Não me interessa quantos anos viveste antes de mim, ou há quantos morreste sem que eu tenha tido oportunidade de te dar a mão. Não interessa o tempo que nos roubaram – roubam sempre – porque tu existes por muito que eles olhem para ti e achem que o teu lugar é um museu desabrigado de afectos. Desta vez não vou deixar. Eles já vêm a caminho, eu sei. Por isso não vamos esperar por eles. Desta vez não te deixo e, de certa forma, ao levar-te comigo levo também todos aqueles e aquelas que abandonei sem querer ao longo deste caminho que escolhi, ou me escolheu, sei lá eu. Não te assustes, peço-te, com a viagem. Estamos longe do sítio para onde te quero levar mas um dia chegaremos. Ouço barulho ao fundo, são eles, eu sinto. Temos de nos apressar antes que nos descubram aqui, ao lado um do outro, como se polidos da mesma areia de onde te desenterrei, estátuas perdidas numa terra longínqua sem saber o que vem a seguir. Os solavancos que agora sentes são normais, o terreno é instável e a carrinha não está preparada para alguém como tu, mas vão passar, passam sempre. Não te vou abandonar, não penses. Vou saber a quem pertenceste, de onde vinhas e para onde ias afinal quando um qualquer obstáculo te quedou onde te encontrei. Por muitas voltas que a terra tenha dado em torno do Sol desde o teu último suspiro. E depois vais descansar, finalmente, num sítio à tua altura.
Um dia vais ser tu, avô. Um dia vou-te descobrir. E vou escrever numa lápide à tua medida que morreste numa guerra que não escolheste. E de onde só veio uma carta a dizer ‘desaparecido’, nada mais. Um dia vais descansar avô, prometo-te. Nem que para isso eu tenha de morrer também.
III COE - IV Desafio

Texto vencedor por Jaime A.:

Senti o cheiro,
o bafo de uma noite
que trazia ainda os restos
de um rio quase adormecido,
embalado pelas ondas do mar que o afagava,
talvez já parado no tempo da curta sedução.
Era uma luz baça,
a que iluminava a travessa-da-entrada-do-bar-dessa-noite-encantada
resquícios de uma tarde meio bolorenta,
pegajosa, também ela em jogo de sedução,
de toca-e-foge,
agora-estou-no-coito.
Na contracorrente, num jeito quase bamboleante,
passeavam-se casais,
militares de passo acertado,
desfile na parada;
havia também solitários,
(rotundos como no jogo)
estes, abraçavam as imperiais,
como se o líquido sacudisse o isolamento,
num trago jogado fora.
Outros havia,
(estes mais interessantes),
pois não sendo ainda dos primeiros,
já não seriam, certamente,
dos segundos.
Não tinham poiso:
onde encontrá-los?
Talvez na baía dos sonhos,
no teatro-savana-da-caça,
no retiro do ver-e-ser-visto.
Enquanto se encostavam à parede,
a perna dobrada,
um quatro em busca de dois,
disfarçavam um sorriso,
um ar de êxito antecipado,
uma vitória sem luta.

Um jovem guardou-me a atenção:
calças justas, camisa engomada,
sapatos de bom toque,
sem cigarro;
os lábios descaíram um quase-sorriso:
seguiu pela entrada-do-bar-dessa-noite-encantada.
Passou o tempo que a minha imperial
diluía.
Saiu, conversando com a rapariga
mais bela,
mais linda,
mais bonita
que eu vira nessa noite.
Falaram,
e eu, repórter
refinadamente chegado ao grupo
dos segundos,
captei-os, entre linhas.
O rir dele penetrou pelo dela dentro,
o jogo dos olhares estava consumado,
admirei os jogos de pés,
assombraram-me duas, três palavras
sussurradas entre o vento nos
salgueiros  ausentes,
o jogo de sedução, enfim,
o toca-e-foge,
agora-estou-no-coito.
Seria de esperar
uma Lua abençoadora,
beneplácito murmúrio
de tocatas-e-fugas,
(mas isso é nos filmes):
aqui há cumplicidades,
trocas em vagas ruidosas,
e as mãos fugindo
(nem se sabe para onde):
ela em jogo de sedução,
de toca-e-foge,
agora-estou-no-coito
(sempre no coito)
e ele com ela jogando.

Agora a luz baça,
a que iluminava a travessa-da-entrada-do-bar-dessa-noite-encantada,
vai iluminando as suas costas,
escorregando e debruando
os seus destinos,
os seus passos,
os seus caminhos;
mas o que quero?
A vida está suspensa
num jogo de luz e sombras:
por muito que tente e se acoite,
é sempre um:
"Affair de Sábado à noite"
III COE - III Desafio

Texto vencedor por Marta:

Foste tu que pediste para te matar na Primavera. Enquanto ainda há flores, amor. Tu a pedires-me para eu te matar e a chamar-me amor ao mesmo tempo, na mesma frase, com nano-segundos de intervalo entre uma palavra e outra, fez-me acreditar que matar só podia ser uma coisa boa, só podia. O amor é bom e tu chamaste-me amor. E a partir daí eu sempre soube que te ia matar na Primavera, enquanto ainda há flores, amor. Nunca me questionei por que raio querias tu morrer, nunca o fiz, e se calhar nunca te amei como tu me amaste. Porque se eu te amasse, sei agora, ter-te-ia feito desistir da ideia. Passaram várias Primaveras antes de eu te matar. E vários Invernos, Outonos e Verões. Passaram-se anos sem te ver. Eu para um lado e tu para o outro. Tu casado, três filhos, dois deles varões como sempre sonhaste; eu e vinte e um gatos juntos na mesma casa. Voltámos a rever-nos quando há muito tínhamos esquecido o pedido e a promessa. Estavas igual, sentado e sereno de jornal no colo no consultório do dermatologista onde eu tinha ido por causa de uma mancha persistente e tu não sei sequer porquê. Olhaste para mim como quem questiona a capacidade alheia para cumprir promessas e eu olhei para ti com a certeza de que a ia finalmente cumprir. Saímos juntos do edifício acinzentado e quando te beijei morreste-me nos lábios. De ataque cardíaco, ouvi dizer no funeral, sem que ninguém tenha associado a morte à alergia ao mentol que o médico descobriu nas análises quando tinhas três anos. Tinha o batom na mala, tive sempre, estes anos todos, para lábios gretados e para mortes prometidas. Matei-te na Primavera, faltavam dois dias para o Verão, e matei saudades dos teus lábios enrugados pelos quarenta anos que passaram. Matei-te enquanto há flores e foi a única vez na vida que te amei. Deixei-te no altar porque nunca te conseguiria amar. Devia-to ter dito antes de te matar mas provavelmente saboreaste a verdade nos segundos em que sentiste os meus lábios. Por isso morreste, acho eu, nunca saberei se foi o mentol afinal. Talvez não tenhas aguentado a verdade que nunca te contei. Matei-te na Primavera amor, enquanto ainda há flores. E descobri que sou capaz de cumprir promessas atrasadas. Talvez seja afinal capaz de tudo.
III COE - II Desafio

Texto vencedor por AnaLu:

Começou tudo por ser estranho e estupidamente simples: os olhos dela brilhavam. Brilhavam a cada vez que ela falava, como duas lanternas pequeninas no escuro. Eu, que não estava habituado a querer saber de miúdas, tentei fingir que ela não era a coisa mais bonita e mais leve que eu já tinha visto na vida. O nome dela, esse nome que eu mais tarde deixei de conseguir pronunciar, fascinou-me tanto que eu passava os dias a escrevê-lo nos cadernos, nas mesas, nos ténis, em toda a parte: uma actividade ultra secreta e deliciosa. Entreguei-me, tipo prisioneiro, ao cheiro daqueles cabelos emaranhados e longos, ao riso dela, esplêndido, a ecoar no vento enquanto caminhávamos, eu embasbacado a ser espectador do milagre que era aquela pessoa a viver, ali ao meu lado.

Mas depois veio a dor. Foi um aperto tão grande por dentro que pensei que o meu coração se transformava em polpa de tomate. Foi como se de repente a minha vida se tivesse tornado num grande silêncio que ninguém pode compreender. No meio da confusão do balneário, depois dos jogos, deixava a água a lavar-me o suor e a vergonha de chorar no meio de uma equipa inteira de basket, as lágrimas a serem banho, sem que ninguém visse. Eles não sabiam nada, repetiam-me, ridículos, que passava, que sou tão novo e há tantas outras raparigas por aí. Eu não sei se há muitas ou poucas porque em todas vejo a cara dela. E em todas procuro aquele sorriso grande e aquele tom de voz agudo e meigo. O nome dela passou a ser uma espécie de chicote a magoar-me mais ainda que aquelas palavras, quero acabar. Às vezes gostava de poder voltar atrás, para que pudesse estar junto a ela mais uma vez, nem que fosse só como amigo, como no princípio.

Dizem-me que o tempo cura tudo. E eu finjo que acredito. Mas cá no fundo de mim sei que sem ela nunca mais voltarei a ser inteiro. Isto tem sido como li ontem, um solitário andar por entre a gente, a stôra a mandar-me ler o poema, eu a querer recusar com a voz a tremer e ela, leia. Parece impossível que o único homem que consegue entender o que eu sinto viveu há 500 anos atrás. Uma ferida que dói e não se sente. E a minha tem um nome: Berta.
III COE - I Desafio

Texto vencedor por Marta:

Usava a mesma fita desde que se lembrava de existir. Ou desde que tinha cabelo. Recebia volta não volta outras fitas, outros adereços, mas ficavam esquecidos em cima da cómoda onde os poisava depois de abrir o embrulho. Aquela fita, a mesma que usava desde que se lembrava de existir, ou desde que tinha cabelo (pouco importa), pertencia-lhe tanto como o nariz adunco e as três sardas que se encavalitavam na bochecha esquerda, ali a meio caminho entre o olho e a boca. Aproveitava o Verão para a lavar. As noites eram quentes, a fita secava enquanto dormia – não chegava ao ponto de a levar para a cama – e de manhã lá estava ela, a segurar-lhe os cabelos que a genética fizera revoltos. Lembra-se do dia em que a mãe – ainda moravam juntas no sótão acanhado de duas assoalhadas – lha roubou. Era uma brincadeira. ‘Queria ver a tua reacção’ disse-lhe quando a viu em lágrimas. Nesse dia não saiu de casa. Sem a fita recusava-se. Tinha dez anos e andava na quarta classe. Fechou-se no quarto, o cabelo num desalinho em cima da almofada, e não foi à escola. A mãe não repetiu a graça. Com o passar dos anos deixou de ser conhecida pelo nome próprio, era a da fita vermelha em todos os locais por onde passava. Escolas, estágios, empregos sérios e não tão sérios. Como se a fita fossem uns óculos graduados ou uma gaguez. Como se a fita fosse o que a diferenciava dos demais, mais do que um QI elevado ou um talento para cantar. Fez, ao longo dos anos, várias tentativas para mudar a cor da fita. Pelo menos a cor, pensava. Nenhuma resultou. Até ao dia em que, numa viagem de comboio, pôs a cabeça de fora e a fita lhe voou. Tão depressa se soltou como a deixou de ver. Tão depressa chorou como desatou a rir, a rir incontrolavelmente. A rir como se dentro dela um interruptor tivesse sido carregado por uma entidade anónima que lhe vivesse nas estranhas. A liberdade deve ser isto, pensou. Um empurrãozinho para poder fazer aquilo que até aí não se conseguiu. A liberdade pode ser uma fita que voa e deixa os cabelos ao vento num intercidades apinhado de estudantes. Ou pode ser um campeonato, onde se decide escrever em desafios semanais. Um empurrãozinho, só isso. E depois a liberdade.


Texto vencedor por AnaLu:

Excelentíssimas senhoras e senhores, excelentíssimos membros do júri, excelentíssimos acusadores e acusados, excelentíssimos ouvintes, meretíssimo:
Fui intimado a subir a este palanque a fim de indicar em termos resumidos e certos as razões que me levaram à inscrição nesse concurso de escrita acerca do qual muito se tem especulado e nada se sabe. Acusam-me de envolvimento com gente suspeita, gente de leitura e de palavras, que as consome e também as produz, com zelo e dedicação tamanhas que tal modo de vida só pode esconder obscuro propósito. Assim me justificaram a investigação entretanto iniciada e na qual fomos tomados, eu e os restantes, como réus.
Nunca fui bom juiz em causa própria e das razões que me fundam pouco sei, mas comprometi-me com a verdade e por isso aqui estou, e a bem dizer não teria outro remédio aos olhos da lei.
Pois bem, a pouca eloquência de aqui aqui darei prova é precisamente aquela que me trouxe a escrever segundo desafios proposto por pessoas cuja identidade desconheço.
Pois que é nas palavras que me procuro, rebuscando sintaxe e gramática, sinónimos e antónimos, verbos e adjectivos, metáforas e aliterações, tal como um trolha brita a pedra que nos servirá de caminho. E qualquer pretexto me serve para tal empreendimento. Por vezes não sei se aquele que caminha sou eu ou um outro que entretanto nasce das frases e ideias que formulei e duvido se me encontro ou perco mais ainda. Nada há, porém, que consiga impedir esta sensação de me encontrar em casa a cada vez que me sento a escrever ou até quando, mesmo que não tenha papel ou caneta, me assalta uma remota memória ou intriga que objectivamente nunca vivi, mas que me faz jorrar palavras no cérebro.
Meus senhores: de mim, como vêdes, pouco sei, dessa gente que organiza a actividade menos ainda, mas sei que tenho de escrever. Sempre assim fiz e no entanto continuo a ignorar o que seja ser-se um escritor, tal como ignoro o que seja ser-se médico, agricultor ou contabilista. A escrita vive connosco como uma condição da qual o sujeito padecente não pretende curar-se. Decidi-me a participar neste evento seguindo o mesmo impulso com que escrevo - não importa o quê – como um animal que procurasse tornar-se pessoa a cada palavra, ou como uma cabra cega no escuro, na demanda da sua própria morada.
II COE - V Desafio
Texto vencedor por Marianne:

Encontrei Deus numa tarde de chuva. Combinámos o encontro uns dias antes e Deus foi pontual. Imaginava-O de outra forma. Imaginava-O mais velho, mais grisalho, mais marcado por milénios de existência. Percebi rapidamente que andei a vida inteira iludida com imagens baseadas em coisa nenhuma. Apesar de ser diferente do que eu imaginei, a serenidade com que me recebeu foi a mesma que fui ensinada a reconhecer-Lhe.
Mantive-me de pé à Sua frente, mais por não saber o que fazer do que por respeito ou medo. Acolheu-me num abraço silencioso, de carinho e empatia. Pediu-me que me sentasse e que perguntasse o que quisesse.
- Se Deus é bom, como é possível que haja tantas coisas más no mundo?
- Rejo-me por um princípio bastante simples: apenas experimentando o mau se pode apreciar o bom. O mundo não será nunca um paraíso isento de maldade. As pessoas não são todas boas e nisso eu não interfiro. Limito-me a aceder a alguns pedidos. Não a todos, porque há pedidos que não fazem sentido. Existem guerras porque as pessoas as fazem. Há quem mate e quem morra e sempre foi assim. Imagina um mundo sem morte. Insustentável, não te parece?
- Porque é que permites que morram crianças?
- Quem julgas tu que ensinou a Lavoisier que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma? Há crianças que morrem porque precisam de morrer. Algumas para ensinar os pais a lidar com coisas maiores do que eles. Outras porque estão destinadas a regressar a algo ainda maior. Todas voltam a viver, não te preocupes.
- Porque é que nem todos os criminosos pagam pelos crimes que cometem?
- Tal como é insustentável que exista um mundo sem morte, também é impossível que haja um mundo sem crimes. Porque os crimes são cometidos contra alguém e esse alguém acaba a chamar por mim. Um mundo sem maldade, sem crimes e sem morte é um mundo onde Deus não é necessário.
- Perdoas-nos?
- Perdoo. Mataram-te porque algo pior estava a matar-te. Acabarias junto a mim, fosse de que forma fosse. Não ias morrer sozinha e pediste ajuda. Quem te amava ajudou-te a morrer porque estás melhor assim. Subiste ao céu, vieste para junto do Pai, tal como te ensinaram. O teu destino era este: ser morta por quem te deu vida. Hás-de voltar para eles. Nada se cria, nada se perde...
II COE - IV Desafio
Texto vencedor por Marianne:


Esta cidade adormece quente. É Agosto e há turistas por todo o lado. Deambulámos sem rumo durante horas, eu imersa em mapas que não consegui entender. Brincas comigo por causa dos mapas que insisto em traduzir e que nunca nos levaram a lugar nenhum. Desistimos e voltamos ao hotel, um sítio simples no centro da cidade. Anoiteceu devagar. No horizonte há ainda um tom diáfano que relembra o dia que agora se acaba. Subimos pela escada em silêncio. Subo à tua frente. Sobressalto-me com a tua mão na minha perna, não um toque casual e sim um impulso forte. Impedes-me de avançar para o degrau seguinte. Obrigas-me a ficar de frente para ti, a parede nas minhas costas. Encostas-te a mim e sinto-te duro, voraz. Beijas-me sôfrego, como se quisesses engolir-me sem perder tempo. Percorres o meu corpo com as tuas mãos e, entre beijos, sussurras-me ao ouvido “quero-te agora”. Olho em redor e não se vê ninguém. O hotel está silencioso, os restantes ocupantes certamente perdidos entre jantares pela cidade. Não resisto ao sabor dos teus beijos, esse gatilho armadilhado que sempre foi o meu carrasco. Já me esqueci de onde estou e não quero saber de nada. Desces devagar, a tua lingua pelas minhas pernas vestidas com uns calções cúmplices. Sentes-me quente, a tremer. A minha respiração acelera à medida que a tua língua arrisca círculos dentro de mim. Não precisarás de me despir, bastará que sejas ágil a manobrar tecido. Sei que és. Quando me sentes vir pela primeira vez abrandas, dás-me um segundo para que recupere e operas uma ágil troca de posições. Agora sou eu, dona e senhora de ti, que habitas duro a minha boca. Sei o que tenho a fazer e provo-te que aprendi a lição. Não deixo que te venhas porque quero guardar o momento para partilharmos a dois. Viras-me de costas para ti, sinto a parede quente no meu peito. Agarras-me o cabelo sem meiguice e penetras-me sem cerimónias. Danças dentro de mim num ritmo feroz. Ouves-me calar orgasmos e pedes que me venha para ti. Faço-te a vontade uma e outra vez, enquanto tu te demoras até explodir.
Acordo sobressaltada. O relógio diz-me que é demasiado cedo para me levantar. O meu corpo diz-me que precisa do teu agora, fora de sonhos e fantasias. Acordas duro dentro da minha boca. Fazes-me vir mais uma vez.
II COE - III Desafio
Texto vencedor por Marianne:

Isaura tem oitenta e sete anos felizes. As rugas sulcadas no rosto contam histórias que guarda intactas na memória. Isaura foi feliz na sua infância dourada, na universidade de medicina onde entrou para revolucionar uma época, no casamento arranjado pelos pais. Foi feliz grávida por cinco vezes e duplamente feliz nas treze vezes que se tornou avó. Foi incomparavelmente feliz nas cartas que trocou durante anos com Vasco, colega de faculdade partido para África na altura em que podiam ter casado. Não fora ele ter ido exercer para Moçambique e Isaura teria contrariado os pais, recusado casar com Almeno e sido seguramente feliz junto daquele amor que lhe trazia arritmias ao coração.
Hoje, oitenta e sete anos depois, deixou de ser dona do seu tempo, da sua vida, da sua história. Entrou-lhe pela porta o filho Manuel e pediu-lhe que preparasse uma mala com as suas roupas, disse-lhe que levasse dois ou três livros, que não se esquecesse dos seus santinhos. Isaura quis saber ao que iam, que urgência era aquela. Manuel, com a doçura que sempre o traduziu, explicou que Isaura não merece passar sozinha os dias que lhe restam. Nem ele nem os irmãos são capazes de tratar dela como merece, por isso escolheram juntos um lar. O melhor de todos, sublinha Manuel, a mãe vai gostar certamente.
Os filhos de Isaura julgam que aos oitenta e sete o prazo já terminou há muito e acham melhor dar à mãe uma suposta tranquilidade que ela não quer.
Isaura demora-se na escolha do que há-de levar. Arruma a mala sem grande cuidado, angustiada por sentir-se arrancada à sua vida. Manuel insiste que têm que ir, combinou com a directora do lar às quatro e já são três e meia. Isaura sabe que não voltará a ver esta casa, mas não pode partir sem a caixa onde guarda as centenas de cartas escritas por Vasco. Estão naqueles pedaços de papel todas as razões pelas quais Isaura foi feliz numa vida que não chegou a viver. Isaura relê as cartas todas as tardes e isso basta-lhe para sentir tudo novamente. Cinquenta anos depois, continua apaixonada pelo homem que nunca teve e sabe que tem nas cartas a sua riqueza maior. Carrega no peito a saudade cortante de quinze anos sem Vasco, falecido em Moçambique sem que se reencontrassem, mas tem naquelas cartas o sangue que obriga o seu coração a bater.
II COE - II Desafio
Texto vencedor por Brighid:

Era uma coisa pouca quando o viu pela primeira vez, uma mãozinha de gente, mal chegava a encher-lhe os braços. Logo quando ela o queria forte e luzidio tinha vindo assim tão sumido. Como se pudesse de repente voltar a não ser.
Cuidou-o. Cuidou dele como se faz com os bichos pequeninos, com muito cuidado e desvelo para não desfazer o milagre. Sorriu, chorou, alimentou, embalou e confiou. De dia e de noite. Trabalhou depressa e dormiu sem nunca fechar os olhos. Quando ele lhe sorriu pela primeira vez, sonhou…
Havia de fazer dele um príncipe. Um homem príncipe. Um homem bom. Havia de ensinar-lhe as lendas, as luas e as marés. Oferecer-lhe os cheiros, as cores e o canto que planície tem. Contar-lhe os mistérios da vida e a segurança na morte. A confiança de se ser assim - pleno. A capacidade de temer apenas a própria consciência e a voz que que habita as almofadas de menino.
Um dia, já ele corria pelos seus pés, levou-o a ver umas estrelas que estavam penduradas numa noite perto de onde moravam. Deitaram-se na erva que trazia ainda o calor da tarde e ficaram fixos ao eixo da terra. A brincar às rodas com a lua. Primeiro ele não se calava. O que era aquele barulho? E aquela sombra mais além? Depois sossegou…
- Escuta aquele piar. Está ali uma coruja das torres. Se vier alguém, ela avisa. Ouve agora mais longe. É um sapo, come os insectos que nos picam. Aquele ali a brilhar? É um pirilampo. Ajuda-te a ver o caminho. Se ele fugir e te perderes? Segues a Estrela Polar, indica o norte. Essa, a que segura o papagaio da ursa menor. Calaram-se.
- Mamã, o silêncio serve para quê?
- Para seres capaz de te ouvir se estiveres confuso e para eu te ouvir se me chamares.
- Pois, tu serves para me encontrares. E eu, mamã? Eu sirvo para quê?
Ainda hoje, no burburinho dos dias gastos pelo nada, quando vai respirar o sono do seu menino homem ela surpreende a resposta que a deixa dormir. Será verdade que esse não é o seu único propósito, mas continua a dizer-lhe sempre muito baixinho:
- Tu? Tu, meu amor, foste feito para o meu coração bater.